Como a pandemia causa um estrago na agricultura familiar

17/06/2020

Modalidade agropecuária emprega cerca de 10 milhões de pessoas no país, segundo IBGE. Programa de governo que apoia o setor é insuficiente, dizem entidades 

Fonte: Camilo Rocha

Perda de estoque, prejuízo financeiro e incerteza com relação a safras futuras estão entre os problemas enfrentados pelo setor da agricultura familiar em tempos de pandemia.

Os impactos decorrem da suspensão de contratos de compra, fechamento de restaurantes e lanchonetes e mudança de hábitos do consumidor durante a quarentena.

A agricultura familiar emprega cerca de 10 milhões de pessoas, das 15,1 milhões que trabalha no setor agropecuário brasileiro, segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Ela tem participação importante entre vários dos produtos mais consumidos no país. Entre eles, o café e banana (cerca de 48% em cada), mandioca (80%), abacaxi (69%) e feijão (42%), de acordo com números do IBGE.

Nas áreas rurais na região metropolitana de São Paulo, onde atuam cerca de 7.000 produtores, a queda nas vendas é estimada em até 80%. Responsável pelo abastecimento de 90% das verduras e 40% dos legumes na capital (além de 25% do fornecimento nacional de verduras), esses agricultores ameaçavam transformar a produção encalhada em adubo. Isso mundou quando a Fundação Banco do Brasil fez um repasse de R$ 1 milhão para que 100 toneladas de alimentos fossem encaminhados a 5 mil famílias pobres de Mogi das Cruzes.

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De acordo com a ANA (Articulação Nacional da Agroecologia), organização social que atua no segmento, a interrupção do fornecimento de merendas escolares, a suspensão de feiras e o fechamento de pizzarias, restaurantes e lanchonetes, que compram diretamente dos pequenos produtores locais, representaram um duro golpe em sua receita.

"O setor de hortaliças foi muito impactado, pois são produtos perecíveis, que exigem agilidade na colheita e na entrega. Ele foi atingido pelo fechamento de restaurantes, incluindo aí os restaurantes de empresas", disse ao Nexo Denis Monteiro, agrônomo e secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia.

O papel do governo federal

O segmento pressiona por ações do governo federal que possam atenuar os efeitos da crise. A principal demanda é o aumento de recursos destinados ao PAA (Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar), dos ministérios da Cidadania e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, política pública que absorve parte significativa da produção e a destina a órgãos de assistência social, bancos de alimentos, restaurantes populares, programas para pessoas em situação de rua e iniciativas municipais.

O PAA é operado por governos estaduais e municipais e pelo Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A iniciativa foi criada em 2003, durante o primeiro governo Lula, no âmbito do programa Fome Zero, para incentivar a agricultura familiar e expandir as opções de acesso a alimentos por parte de programas sociais de diversas instâncias de governo.

"Essa política garante renda para a população mais empobrecida da agricultura familiar. Agricultores familiares produzem muita comida, mas não tudo que precisam. Às vezes, não produzem o arroz, o macarrão, e precisam ir comprar no mercado", disse Denis Monteiro, da ANA.

Em 2017, cerca de 64% dos agricultores que forneceram alimentos ao PAA estavam no Cadastro Único, que reúne famílias com renda mensal total máxima de R$ 2.862,00. O CadÚnico é um sistema com informações sobre famílias em situação de pobreza usado pelos programas sociais.

Em 27 de abril de 2020, o governo federal publicou a Medida Provisória 957, destinando R$ 500 milhões ao programa, que se somaram a R$ 186 milhões previamente designados no âmbito da Lei Orçamentária Anual de 2020.

Para as entidades da área o montante está aquém do necessário. Em 8 de abril, mais de 800 organizações haviam assinado uma carta em que solicitavam o aporte de R$ 1 bilhão para o PAA agora e R$ 3 bilhões até o fim de 2021. Com isso, calculam que seria possível atender 150 mil famílias de agricultores e comprar 300 mil toneladas de alimentos.

"Seria o mínimo para que agricultores tivessem a segurança para continuar produzindo", afirmou Monteiro, que lembra que a certeza da aquisição permitiria a pequenos produtores se programarem e seguirem plantando.

Parte do valor garantido pelo governo, cerca de R$ 220 milhões, começará a ser operacionalizado a partir do dia 11 de maio, de acordo com o Conab. Não há previsão para o restante.

Os representantes do segmento lembram que o valor de R$ 1 bilhão toma como referência o montante designado para o programa no ano de 2012, durante o governo Dilma Rousseff, o maior desde a criação do PAA em 2003. Desde então, inclusive em 2013, ainda no governo Dilma, o valor vem caindo.

"O apoio é importante para manter a tranquilidade do produtor de que ele pode continuar produzindo e de que sua produção será comercializada", disse ao Nexo Aristides Santos, diretor da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).

Em 1º de maio, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, afirmou que o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, está segurando os recursos do PAA na pandemia. O valor autorizado é claramente insuficiente, segundo os procuradores, "para enfrentar a crise no âmbito da segurança alimentar e nutricional."

Outra medida esperada é a sanção pelo presidente Jair Bolsonaro do projeto de lei 873/2020, que estende a agricultores familiares, trabalhadores rurais e pescadores o auxílio emergencial de R$ 600. O projeto foi aprovado em 22 de abril. Segundo cálculos dos movimentos sindicais, 1 milhão de famílias dentro do setor teriam direito ao benefício.

"É um conjunto de dificuldades que se tornam ainda maiores por conta da ineficiência do governo federal. As medidas são lentas, insuficientes e demoram na sua execução. É só observar o que acontece com a ampliação do auxílio emergencial. O presidente está há duas semanas com o projeto 873 e ainda não sancionou", afirmou Santos, da Contag.

Para o representante da entidade de trabalhadores agrícolas, deveria se tratar de uma questão estratégica por parte do governo federal "financiar, apoiar e construir" a logística de apoio à produção e comercialização dos agricultores familiares uma vez que a crise atual pode levar ao desabastecimento de certos produtos.

Em abril, a ministra Teresa Cristina, da Agricultura, anunciou a liberação de linhas de crédito emergenciais para agricultores de pequeno (até R$ 20 mil) e médio porte (até R$ 40 mil). Também foi anunciada a prorrogação das amortizações de financiamentos e de investimentos para o segmento.

O que é a agricultura familiar

De acordo com a Lei 11.326, para ser considerado de agricultura familiar um estabelecimento deve ser de pequeno porte, segundo especificações do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e ter metade da força de trabalho familiar. A atividade agrícola no estabelecimento deve responder por, no mínimo, metade da renda familiar. A gestão deve ser estritamente familiar.

Segundo o Censo Agropecuário, de 2017, do IBGE, cerca de 80% dos estabelecimentos agropecuários do país se enquadram nessa categoria. São quatro milhões de propriedades, aproximadamente, sendo que cerca de um milhão são assentamentos da reforma agrária. Por volta de 10 milhões de pessoas trabalham no setor da agricultura familiar. Em área, a modalidade corresponde a apenas 23% do território agropecuário do Brasil.

Ainda de acordo com o IBGE, a agricultura familiar encolheu no país à medida que o agronegócio cresce. Segundo o Censo Agropecuário, entre 2006 e 2017, houve uma redução de 9,5% no número de estabelecimentos e uma perda de 2,2 milhões postos de trabalho. Enquanto isso, a agricultura não familiar ganhou 702 mil empregos durante o mesmo período.

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/05/11/Como-a-pandemia-causa-um-estrago-na-agricultura-familiar

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